Narang

"Olho para os abismos entre nós. E não é como se os rastros da sua presença tivessem sido arrastados para dentro do vazio. Eles estão lá. Mas agora, os mais de 30 anos de vida partilhada parecem caber (e com folga) em uma única caixa de sapato no armário. Busco nas lembranças que ali residem, o ponto de partida da nossa salvação, ou aquilo que possa me afastar do medo de viver outros abismos nas histórias que agora eu mesma-mãe  construo. O que de você ficou em mim? O que de mim eu deixo para as minhas? Onde se guarda uma mãe?

Na busca por esse ponto de partida, me apego às memórias desse passado desbotado e amarrotado. Me encontro em cheio com a lembrança vívida, que tem gosto, textura, cores e cheiro... do pé de laranja na casa da vó, do seu bolo (até hoje, e talvez por isso, meu favorito), dos sucos e gominhos... E inspirada por essa lembrança, investigo em imagens o sentido do maternar (desse meu e do que me coube desfrutar antes filha). Vejo o mundo através dessas memórias, e como brincante dos sentidos, experimento olhar literalmente através dessa pele de fruta que nos une."

“Narang” - termo do sânscrito que deu origem à palavra Laranja, um fruto híbrido, criado na antiguidade a partir do cruzamento do pomelo com a tangerina - se faz aqui série fotográfica em construção. “Narang” utiliza de uma memória familiar particular para criação de analogias do maternar, da satisfação dos movimentos que transformam, ao olhar honesto para dentro daquilo que resta. Voltamos a ser o que já fomos um dia? O que há dentro quando o ninho está vazio?

A série brinca com as formas e variações da laranja, e ainda experimenta fazer de película - de filtro sob a lente - sua delicada pele para refletir o olhar cotidiano dessa mãe, transformada pelas memórias da filha que já foi. Um caminho de interseções, um cruzamento de memórias, um híbrido tal qual "Narang".