Nonesuch Family
“Tudo começou quando mudei com minha família para Cape Elizabeth, no estado do Maine, EUA. Três filhos crescendo juntos, cada um em sua fase. O tempo é veloz, mas se você parar pra pensar, não o vemos passar. Considere, por exemplo, uma planta que você acompanha desde que ela é apenas um broto. Em algum momento você flagrou o caule se alongando? É o mesmo com as crianças. Quando vemos uma foto de poucos meses atrás é que percebemos o quanto mudaram. Então eu quis registrar, mas não com a curiosidade científica de quem compara as imagens lado a lado. Fotografar virou uma forma de aceitar e reverenciar o tempo, sem a ilusão de capturá-lo – a graça é justamente a liberdade. A Susan Sontag diz que “fotografar é apropriar-se da coisa fotografada”. Eu concordaria se minhas “coisas fotografadas” não fossem crianças. Seria mais correto dizer que são elas que se apropriam de mim. Olhar através da câmera limita o campo de visão. Se enquadro minha filha na beira do mar, meus outros dois filhos podem estar nas pedras, fora do meu alcance. É preciso que meu olho negocie com o mundo: fico entre o controle da cena e o imprevisível do presente. Todo clique precisa sempre prever o que está acontecendo fora do quadro, e desse modo fui chegando a uma fotografia que contrariava a norma: horizonte torto, foco doce, pés cortados, olhos fechados. O que poderia ser acusado como erro ou falha técnica foi se tornando justamente o meu idioma fotográfico. O mesmo poder que uma foto tem de denunciar, ela tem de criar enigmas, suspenses, perguntas. A imagem pode operar como abertura para os sentidos. Nesse sentido, a estranheza é a maior aliada da imaginação. A realidade, para a câmera, é esse campo múltiplo, infinito, incerto, torto, sem pé nem cabeça ou cheio de pés e cabeças. Por mais que haja um esforço consciente de produzir uma cena, como muitas vezes ensaio com meus filhos, a fotografia sempre nos entrega alguma coisa a mais, alguma coisa a menos. Essa revelação estranha é o que impulsiona o desejo fotográfico.”